É bom ter amigos! Lutas e zangas, mas também muito afecto, carinho e intimidade. Conheça as vantagens de uma boa amizade nos primeiros anos de vida. Por Júlia Serrão |
Apesar da natureza sociável que nos é intrínseca e se anuncia desde muito cedo, nem todos temos a mesma capacidade – ou à-vontade – de ir ao encontro do outro e de nos deixarmos cativar por ele. Os especialistas em comportamento asseguram que, quando esta dificuldade se revela e permanece no tempo, é preciso agir, criando incentivos que levem a criança a ultrapassar a situação. Porque é bom ter amigos. “
Com eles, descobre-se o prazer das coisas feitas em conjunto – brincar e jogar – e da cumplicidade”, observa a pedopsiquiatra Teresa Goldschmidt. Mas não só, assegura. Muitas das descobertas que as crianças fazem, “e são essenciais para o seu desenvolvimento”, fazem-nas com os amigos. Uma das mais importantes “diz respeito à capacidade de resolução de conflitos”, uma aptidão que se vai revelar igualmente necessária à medida que vamos crescendo. Por outro lado, a amizade permite “desenvolver sentimentos de pertença e de identidade”, lembra a psicóloga Sara Almeida, explicando: “Aprende-se a ser com o outro.”
A amizade surge assim como um importantíssimo suporte emocional e social da criança, conforme referem a psiquiatra Anita Guarin e a psicóloga Alice Pope. “Através deste tipo de relação, os mais pequenos aprendem o dar e receber do comportamento social, em geral”, escrevem no livro Do Kids Need Friends? (As crianças precisam de amigos?). As especialistas norte--americanas, autoras de várias obras sobre desenvolvimento na infância e na adolescência e relações entre pares, enunciam as vantagens de uma boa amizade: através dela, aprende-se a acatar as regras mas também a arranjar alternativas e a tomar decisões perante as dificuldades, aprende-se a ganhar e a perder e descobre--se o que é e não é correcto. Com os amigos, experimenta-se o medo e a raiva, a agressividade e a rejeição, e aprende-se a compreender o ponto de vista dos outros, entre outras coisas.
Nada nem ninguém nos pode dar tanto, de forma tão genuína. Ou como disse João dos Santos, médico e psicanalista infantil, nas suas conversas na rádio: “Nem na escola nem na vida nos conseguem corrigir da perda que consiste em não aproveitarmos tudo quanto os amigos nos podem dar.”
A amizade ao longo do tempo Sara Almeida explica-nos o conceito da amizade ao longo das várias fases da infância: • Até aos 2, 3 anos: a criança vive numa fase de egocentrismo (brinca sozinha, observa e explora) • Estádio zero, até ao 6 anos: a amizade ainda tem um carácter momento, o amigo é o que está perto • Estádio 1, até aos 8 anos: o amigo deixa de ser só o semelhante e familiar, mas ainda é momentâneo • Estádio 2, dos 9 aos 12 anos: a evolução do ponto de vista do desenvolvimento cognitivo e psicoafectivo leva a um enriquecimento do conceito de amizade, desenvolvendo-se a noção de intimidade na relação |
A amizade ou a capacidade de estabelecer relações sociais não é idêntica ao longo de todas as fases do desenvolvimento. O próprio conceito de amizade está em evolução constante.
Nos primeiros três anos, a criança não brinca com as outras, estabelecendo uma relação preferencial com os adultos, garante Teresa Goldschmidt. “Embora possam estar juntas na mesma actividade, como acontece com as que estão no jardim infantil, cada uma está a brincar com as suas próprias coisas. Observam, manipulam alguns o-bjectos e já fazem alguma coisa do jogo simbólico, mas ainda não interagem.” Não há sequer a noção de partilha.
É só depois de ultrapassar esta “fase de egocentrismo, que é natural”, que se começa a dar os primeiros passos no sentido da relação com o outro. Por volta dos cinco anos, os meninos já têm amigos, “alguém que lhe é familiar e está próxima”, explica Sara Almeida.
Agora, a criança já brinca com as outras. Partilha os brinquedos e demonstra prazer nas brincadeiras, as quais, segundo Teresa Goldschmidt, “lhes vão ensinando muito das regras de comportamento do mundo”. O processo de aprendizagem no campo emocional e social está finalmente em curso. Inevitavelmente, também surgem as zangas, as guerras pela mesma boneca ou pelo mesmo carrinho, os primeiros desgostos com o amigo e as lágrimas. “É natural que as crianças se zanguem e batam, mas também que resolvam a situação entre elas, pois é a forma de adquirirem cada vez mais capacidade para resolver os conflitos. Por isso, é muito bom quando os adultos não têm de interferir. Por vezes, há uma tendência protectora dos pais nesse sentido, a qual deve ser evitada.”
Os especialistas defendem que, a partir dos quatro anos, já é possível perceber claramente as crianças mais sociáveis: são aquelas que chegam ao parque infantil, por exemplo, e vão ao encontro dos outros. Oferecem-lhes os seus brinquedos ou pedem-lhes para brincar com elas. Mostram prazer na relação.
Outras, mais acanhados, evitam o contacto. “São meninos com dificuldades em se organizarem rapidamente e entrarem na relação com os outros”, diz Teresa Goldschmidt, sublinhando que, muitas vezes, a situação é superada através da aplicação de pequenos truques. “Levar a criança para o jardim infantil quando ainda há poucos meninos na sala pode ser uma forma de facilitar a aproximação.”
O que os pais podem fazer • Mostrar aos filhos, de preferência através de exemplos práticos, o quanto valorizam a amizade • Interessar-se pelas coisas de que a criança gosta e ajudá-la a estabelecer amizades que proporcionem intimidade e companheirismo • Nas situações em que as dificuldades relacionais da criança se ficam a dever ao facto de ter preferências muito específicas, pouco comuns para a sua idade, tentar encontrar-lhe um grupo onde a sua inclinação possa ser bem-vinda • Se a criança é introvertida e o problema tem sobretudo a ver com timidez, evite expô-la, mas permita-lhe experiências relacionais em contextos mais pequenos e mais acolhedores • Nunca adopte uma atitude de protecção exagerada. |
O final da infância acompanha o desenvolvimento cognitivo, o qual está por detrás do conceito de amizade. De acordo com a psicóloga infantil Sara Almeida, a criança começa a ter a noção da abstracção. “As relações de amizade, que nos primeiros anos de vida passavam muito pelo ‘ele é meu amigo porque é parecido comigo, gosta das mesmas coisas que eu, empresta-me o seu brinquedo, faz--me feliz e faz aquilo que eu gosto’, transformam-se. O amigo já não é só aquele que está no momento, mas aquele que está, mesmo quando não está, e aquele que me diz coisas que eu não gosto.”
À medida que uma nova noção de amizade se consolida, as crianças podem sentir necessidade de procurar outro tipo de relação social, como a inserção num grupo – aliás, até mesmo antes, se considerarmos a entrada nos Escuteiros uma experiência desse tipo.
Teresa Goldschmidt distingue-as: “Ter um amigo é uma relação mais individualizada, enquanto pertencer a um grupo é algo bem mais difuso. Com os amigos, as coisas são resolvidas a dois. Com o grupo, onde existe a figura do líder, há que ter outras competências, tal como aceitar as regras vigentes ou introduzir mudanças ou ainda disputar a liderança.”
De qualquer forma, de acordo com um estudo da Universidade do Maine, nos Estados Unidos da América, “não há grupo que substitua um grande amigo”. “O grande amigo resgata a criança da solidão e da depressão, mesmo que esta seja considerada uma estranha no grupo de pares”, afirma Cynthia Erdley. De acordo com a psicóloga e com Douglas Nangle, outro especialista envolvido no mesmo projecto, “a experiência de ter um amigo em quem confiar pode promover sentimentos de verdade, de aceitação e de ser compreendido, enquanto a aceitação no grupo oferece o sentido de inclusão”. Ambas as relações ajudam a desenvolver algo tão importante como a auto-estima, “mas enquanto a aceitação no grupo afecta os sentimentos de pertença, a amizade afecta directamente o sentimento de solidão”. Para os dois psicólogos nor- te-americanos, “os amigos funcionam como um ‘amortecedor’ da solidão e da depressão”.
Mas os amigos não acontecem. É preciso conquistá-los, ir ao seu encontro e mostrarmo-nos disponíveis. E como vimos, há meninos que têm maior dificuldade em fazer este caminho, não só porque as crianças são movidas por temperamentos, mas também porque uma relação de amizade ou de inserção no grupo pressupõe a possibilidade de se ser rejeitado, posto de parte. Algumas não estão preparadas para essa prova difícil. “Se, ao longo do seu crescimento, a criança tiver desenvolvido uma boa imagem de si, uma boa auto-estima, vai passar relativamente bem por estes contratempos. Uma mais frágil, deste ponto de vista, vai pôr--se em causa nesta situação, vai sentir-se infeliz e retrair-se”, observa a pedopsiquiatra, sublinhando que, mesmo assim, é preciso ousar, ter coragem. Nestes casos, a motivação passa obrigatoriamente pelos pais, que devem saber incutir-lhes a importância de fazer amigos e amá-los, sem os proteger demasiado.
Artigo retirado da Revista Máxima
1 comentário:
Boa noite,
Estou com um problema com o meu filho, ele têm cinco anos.
A escola em que ele estuda tem uma maneira que não sei se é certa ou errada de separar as crianças todos os anos.
Quando ele entrou nesta escola há dois anos atrás fez amizade com um menino e no ano seguinte os separaram.
Mas uma amiguinha ficou junto, até que fez outras amizades.
Entretanto, este ano os separaram de novo e aquele amiguinho 1º voltaram para sala deste grupo e colocaram o meu filho em outra sala sozinho.
Estou em um dilema com a escola, eles não querem voltar o meu filho para este grupo, pois alegam que ele é um líder e deixa qualquer professor maluco.
Isto está correto? E manuntenção das amizades não estão sendo prejudicadas?
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